Enfrentamento da crise hídrica deve ser feito com ações pedagógicas e mudança cultural

Ações pedagógicas, mudança cultural, atitudes proativas e medidas de sustentabilidade foram apontadas como alternativas para enfrentar a crise brasileira da água durante o IV Seminário de Políticas Públicas para Conservação da Água, nessa semana, no Centro de Cultura e Eventos Plínio Arlindo de Nes, em Chapecó. O evento organizado pela Associação dos Municípios do Oeste de Santa Catarina (AMOSC), pelo Consórcio Intermunicipal de Saúde (CIS/AMOSC) e pelo Consórcio Intermunicipal de Desenvolvimento Econômico, Social e Meio Ambiente (CIDEMA) integrou aproximadamente 200 participantes.

De acordo com o presidente da AMOSC e da FECAM e prefeito de Chapecó, José Caramori, os gestores públicos municipais enfrentam inúmeros desafios diariamente, e sem a ajuda da sociedade, muitas vezes, não conseguem solucioná-los. “O tratamento e a conservação da água, bem como a destinação correta dos resíduos sólidos são as questões mais caras a serem resolvidas pelas prefeituras. Neste sentido, precisamos da ajuda dos moradores para encontrar alternativas econômicas e viáveis. Contudo, vemos uma sociedade apática e desanimada, que precisa reagir e participar de discussões como essas propostas pelo Seminário para que ocorra uma mudança efetiva”, observou.

As estiagens prolongadas e as precipitações pluviométricas irregulares em várias regiões catarinenses preocupam os pesquisadores da área e os gestores públicos municipais. “Para sensibilizar a população de que todos têm a responsabilidade de reduzir o consumo, conservar a água e adotar medidas sustentáveis, a Agência Reguladora Intermunicipal de Saneamento (ARIS) elaborará uma cartilha de conscientização que será distribuída junto com a conta de água”, antecipou o diretor geral da entidade, Adir Faccio.

A crise hídrica também preocupa o Ministério Público. Segundo o promotor Rodrigo Cunha Amorim, o crescimento no abastecimento particular feito, principalmente, pelos poços artesianos é uma aflição para o MP, pois não há como controlar ou verificar a qualidade da água que chega nessas residências. “A luta em defesa do meio ambiente deve ser feita por todos os órgãos públicos”, complementou.

PALESTRAS

Para o PhD em engenharia sanitária Daniel José Silva, a crise mundial da água é uma questão generalizada, de falta de bom-senso e pode ser resolvida pelo viés pedagógico. “Precisamos ter um olhar pedagógico para a crise, pois se não aprendemos com ela não haverá solução política ou econômica”, justificou.

De acordo com Silva, as pessoas têm dificuldade de trabalhar com o futuro e, com isso, enfrentam várias crises, pois não há uma cultura de planejamento. “Toda crise é um momento de distanciamento da sociedade do Estado e representa uma ação que o Estado deixou de cumprir ou uma situação na qual perdeu o rumo. Neste sentido, se torna uma oportunidade de aprendizado ou vira um colapso”, afirmou.

Pensar de maneira pedagógica para enfrentar a crise brasileira da água é aprender cotidianamente. Segundo o PhD em engenharia sanitária é necessário refletir sobre como é vista a água: um bem comum ou mercadológico? O palestrante, cita a contração da Política Nacional de Recursos Hídricos que classifica a água como bem comum, mas a sociedade a trata como commodity, pois diversas empresas que detém a concessão do serviço de abastecimento em municípios brasileiros são privadas e distribuem entre seus acionistas os lucros advindos da prestação do serviço.

“Um conceito mediador para mudar essa realidade é a população compreender sua responsabilidade no processo do futuro”, realçou Silva, lembrando que o termo responsabilidade traduz-se na capacidade de responder de forma hábil a uma demanda.

Por fim, ao ser questionado sobre as barragens foi enfático: “O colapso do Brasil se dará pelas barragens. É preciso diversificar o sistema energético e aplicar o conceito de precaução que é muito sábio. Até porque, a forma de energia eólica é atualmente muito mais barata pelo quilowatt- hora”, justificou.

A doutoranda em Ciências Biológicas, docente da Unoesc Chapecó e consultora do Comitê de Bacia Hidrográfica Chapecó-Irani, Manuela Gazzoni dos Passos, apresentou a composição do Comitê – usuários, sociedade civil organizada e poder público -, suas atribuições legais e os municípios que o compõe. “À medida que a região se desenvolve e a demanda por recursos hídricos se intensifica, aumenta o potencial de conflitos entre usos e maiores os riscos de degradação da qualidade de água. Por isso, foi criado o Comitê como entidade colegiada, com atribuições deliberativas e consultivas que atua como um fórum de debate”, explicou.

No Brasil há 12 regiões hidrográficas e em Santa Catarina a Lei nº 10.949/98 dispõe sobre a caracterização de 10 regiões. O Comitê de Bacia Hidrográfica Chapecó-Irani pertence a região número dois e integra 60 municípios. Segundo Manuela, as principais dificuldades encontradas estão relacionadas à sustentação financeira, os membros são responsáveis pelo acompanhamento da execução do Plano de Recursos Hídricos da bacia, não têm poder de fiscalização e a falta de planejamento e controle sobre o resultado de suas deliberações contribuem para a baixa efetividade de sua atuação.

“A gestão de risco de eventos hidrológicos em rios urbanos” foi apresentada pelo PhD em engenharia sanitária e recursos hídricos Adilson Pinheiro. No Brasil, segundo Pinheiro, os rios urbanos estão associados a depósito de resíduos sólidos, à coleta e transporte de esgotos domésticos e industriais, inundações, erosão e sedimentação (assoreamento), dragagem e retificação e canalização artificial. “Os rios são resultado do que acontece ao longo da bacia como um todo. Porém, temos uma legislação rica e importante que precisa ser aplicada em sua plenitude”, explicou.

Entre as leis está a da Política Nacional de Gestão de Recursos Hídricos (Lei Federal 9.433/1997), que considera a água um recurso limitado e com valor econômico, necessário de gestão integrada e participativa com outorga do direito de uso. “Doze por centro da água doce do planeta está no Brasil, então, muitos acham que isso será eterno e esbanjam quando o pensamento deveria estar voltado à preservação desse bem”, explicou.

Outra Lei é a nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007, que estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico. “Esse instrumento materializa os Planos Municipais de saneamento, contudo de maneira geral esses documentos são frágeis para a tomada de decisão e não dizem as necessidades básicas que a sociedade terá no futuro, o que dificulta planejar ou prever ações”, argumentou.

Os riscos são probabilidades de ocorrer danos. De acordo com Pinheiro, eles estão associados simultaneamente a três grandezas: ameaça, vulnerabilidade e exposição. Para prevenir essas situações,  o PhD em engenharia sanitária orienta o manejo sustentável da água, o mapeamento das áreas vulneráveis à imundação, planejamento de médio a longo prazo com a participação de todos, mudança no padrão cultural e atitude proativa. “A solução parte da contribuição de cada um de nós”, finalizou.

O engenheiro químico e mestre em Ciências Ambientais pela Unochapecó, Rafael Celuppi, abordou “A sustentabilidade das empresas e o meio ambiente”, com apresentação de cases que utilizam painéis fotovoltaicos para transformar a radiação solar em energia elétrica, e o reuso da água, seja pela água da chuva, esgoto sanitário/águas cinzas e efluente industrial. “Essa água não-potável pode ser utilizada em vasos sanitários, irrigação, lavagem de calçadas, lavagem de carros e em determinados processos industriais”, complementou.

APOIO

O evento contou com o apoio da Unochapecó, UFFS, Udesc, Unoesc, Unopar, Casan, Secretarias Municipais de Educação, Epagri, Polícia Militar Ambiental, Instituto Saga, Cooperativa Central Aurora Alimentos, Fundação Aury Luiz Bodanese, Comitê Chapecó/Irani, Prefeitura Municipal de Chapecó, Consórcio Iberê, Ministério Público do Trabalho/Procuradoria Regional do Trabalho da 12ª Regional/Município de Chapecó e Emprego e Agência Reguladora Intermunicipal de Saneamento (ARIS).   

MB Comunicação