Estiagem deve ser enfrentada com cobertura florestal

 

"Cisternas, reservatórios, plantio direto, cultivo mínimo, poços artesianos e profundos, diminuição de consumo, redução do desperdício são medidas paliativas. A estiagem deve ser enfrentada com a preservação das árvores e da mata ciliar". Desta maneira o presidente da Associação dos Municípios do Oeste de Santa Catarina (AMOSC) e prefeito de Quilombo, Lenoir Bigolin, enfatizou a importância de implementar ações de médio e longo prazo para sanar os efeitos da falta de água.  

A questão da estiagem, bem como da gestão dos recursos hídricos, consequências das mudanças do Código Florestal Brasileiro, impacto da exploração de águas subterrâneas e comitês de bacias hidrográficas foram debatidos, na última quinta-feira (22), no II Seminário de Políticas Públicas para Conservação da Água, em Chapecó. Participaram mais de 500 pessoas da microrregião.

O evento foi promovido pela AMOSC, juntamente com o Consórcio Intermunicipal de Desenvolvimento Econômico Social e Meio Ambiente (Cidema) e o Consórcio Intermunicipal de Saúde do Oeste de Santa Catarina (CIS/AMOSC). O seminário também contou com o apoio da Agência Reguladora Intermunicipal de Saneamento (ARIS), Prefeitura Municipal de Chapecó, Fundação Municipal do Meio Ambiente (Fundema), Coopercentral Aurora (Aurora Alimentos), Fundação Aury Luiz Bodanese, Consórcio Iberê, Instituto Saga, Comitê Chapecó/Irani, Casan, Epagri, Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), Udesc, Unochapecó e Unoesc.

PALESTRAS

A PhD em procedimentos jurídico-administrativos de prevenção e resolução de conflitos relacionados ao manejo da água, Noemia Bohn, destacou que a problemática resulta entre o conflito do desenvolvimento com o meio ambiente. "O recurso é limitado e se distribui de maneira diferente em vários locais do planeta. O Brasil detém 12% da água doce do mundo. No território nacional 47% da água está na região do Amazonas que concentra 4% da população e dispõem de 73% da vazão dos cursos da água". Além disso, a pesquisadora ressaltou que uma pessoa precisaria mil metros cúbicos de água por ano, porém, países como a Argélia, em 1990, apresentava o índice de 750 metros cúbicos, com previsão de reduzir para 380, em 2025.

De acordo com Noemia, a tecnologia existente contribui para o desperdício que chega até 40% da água tratada no Brasil. Por isso, defende integração dos diferentes usos da água, tendo em vista o desenvolvimento sustentável, a incorporação da gestão ambiental e da gestão das bacias hidrográficas com os sistemas. "A água não pode ser gerida de maneira isolada dos demais recursos hídricos. Precisamos enfrentar a questão para que tecnologia e ecologia andem juntas", complementou.

Chapecó registrou no inverno do ano passado mais de 2.000 milímetros de água da chuva, por isso a pesquisadora defende que a raiz do problema é a ausência de cobertura florestal. "Cisternas, açudes e reservatórios são medidas paliativas. Não falta água na região, o recurso não é armazenado adequadamente", finalizou.

O mestre em Direito de Estado e Direito Ambiental, subprocurador geral da República do Ministério Público Federal, Mario José Gisi, abordou as consequências das mudanças no Código Florestal Brasileiro. Explicou sobre o conceito, áreas de preservação permanente, reservatórios artificiais, reservas legais, exceções e o avanço da lei que determina os percentuais que as empresas de abastecimento de água e geração de energia deverão investir.

Para Gisi, a proposta "proporciona há alguns avanços na regulamentação mais amiúde das áreas verdes. Porém, teremos um retrocesso ambiental sem precedentes com a entrega de aproximadamente 50 milhões de hectares a devastação. Além disso, o código não prevê consequências com relação aos que cumpriram a lei", explicou.  

O PhD em hidrogeologia e petrologia, professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e coordenador do projeto Rede Guarani/Serra Geral em SC, Luís Fernando Scheibe, enfatizou que o uso mundial da água, nos últimos 70 anos, ampliou de 500 quilômetros quadrados por ano para 4.000 (70% na utilização da agricultura e 20% da indústria). Outro fator preocupante é a qualidade da água dos rios, que na região Sul de Santa Catarina a maioria está intensamente poluída. "Isso ocorre porque o ciclo natural das águas tende a repor e substituir, porém, esse ciclo não está dando conta para manter a qualidade e cada vez mais se buscam as águas subterrâneas", comentou.

Segundo o professor, as estiagens são recorrentes na região há mais de 30 anos, e "a água subterrânea não é uma solução e sim uma alternativa. Fala-se muito no aquífero Guarani, mas em Chapecó seria necessário perfurar 800 metros para atingi-lo, o que requer um investimento elevado". Para Scheibe, é preciso vincular criação de animais com armazenamento de água, cobertura florestal, estimular à manutenção do plantio direto e das práticas de conservação do solo, adequação do manejo de águas nas cidades e gestão integrada da água e do uso da terra, conciliando estratégias de aproveitamento dos recursos hídricos pluviais com o objetivo de preservar as águas subterrâneas como reserva estratégica.

O Doutor em geografia, pesquisador da Epagri e professor da Fundação Adolpho Bósio de Educação no Transporte (FABET), Vilmar Comassetto, explicou sobre Comitês de Bacia Hidrográfica – implantação em Santa Catarina e a experiência do Comitê do Rio Jacutinga.

Os Comitês são órgãos colegiados com atribuições no âmbito da bacia hidrográfica, que praticam os conceitos de descentralização e participação. São entidades públicas, sem fins lucrativos, formadas por poder público (20%), sociedade civil (40%) e usuários da água (40%). Decidem sobre os usos e qualidade da água, coordenam a elaboração, aprovam e controlam a execução do plano estratégico de gestão, propõem critérios de outorga, sugerem mecanismos de cobrança, valores, decidem onde serão investidos os recursos e estimulam programas de educação ambiental.